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sábado, 17 de dezembro de 2011

Morre Joãosinho Trinta, o maior carnavalesco do Brasil



O carnavalesco João Clemente Jorge Trinta, conhecido como Joãosinho Trinta, de 78 anos, morreu às 9h55m da manhã deste sábado. Ele estava internado em estado grave e respirava com ajuda de aparelhos no Hospital UDI, em São Luís, no Maranhão. O hospital informou que as causas da morte foram choque séptico secundário, pneumonia e infecção urinária. O corpo ainda está na unidade, e não há informações sobre o velório.
Joãosinho foi internado no dia 3 de dezembro com pneumonia. Ele estava no Maranhão atuando em projetos da Secretaria da Cultura para os 400 anos de São Luís, comemorados em 2012.
Em nota, a diretoria da escola de samba Beija-Flor, pela qual Joãosinho conquistou cinco campeonatos, lamentou a morte do carnavalesco. Para o diretor de carnaval da agremiação, Laíla, Joãosinho Trinta não foi importante somente para a história da Beija-Flor, mas de todo o carnaval carioca:
“Ele tinha um espírito inovador e ousado e foi peça importante para a transformação dos desfiles das escolas de samba no espetáculo que temos hoje. A Beija-Flor está profundamente consternada e tenho certeza que é o mesmo que está sentindo toda a nossa comunidade”, disse, em nota, o dirigente.
O carnavalesco acompanhou o projeto do desfile de 2012 da escola. Recentemente, ele esteve no barracão e na quadra, onde acompanhou uma das etapas do concurso que escolheu o samba-enredo da Beija-Flor para o próximo carnaval. A escola tem como tema o aniversário de 400 anos de fundação de São Luís do Maranhão, cidade natal de João.
“Ele estava muito animado com o desfile e estava programando estar com a escola na Avenida. Ele seria o destaque principal do último carro e receberia uma grande homenagem da Beija-Flor na Marquês de Sapucaí”, afirmou Laíla.
O carnavalesco sofreu o primeiro acidente vascular cerebral (AVC) em 1996, tendo sido tratado na Rede Sarah em Brasília. Ele perdeu os movimentos do braço esquerdo. Recuperou-se e em 1997 levou a Viradouro à vitória com o enredo “Trevas! Luz! Explosão do universo!”.
Em 2004, quando preparava o carnaval da Vila Isabel, Joãosinho passou mal e teve um novo AVC. No ano seguinte, com dificuldades de fala e limitações de movimento nos dois lados do corpo, fez reabilitação no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília. Mais uma vez se recuperou a ponto de participar do carnaval. Após desfilar numa cadeira de rodas, ele foi campeão com Alexandre Louzada pela Vila Isabel.
Em março deste ano, voltou ao Sarah para dar continuidade ao programa de reabilitação e recebeu alta em 9 de junho. Um mês depois, no dia 11 de julho, sofreu convulsões e foi hospitalizado no Rio. Joãosinho passou mal quando estava com amigos no Hotel Novo Mundo, no Flamengo, e teve várias convulsões seguidas durante meia hora. Dois dias depois, seu quadro de saúde agravou-se devido a uma pneumonia. Em 31 de julho, foi transferido para o Sarah, em Brasília, quando se comunicava por gestos e articulava palavras, mas sem emitir sons.
O transformador do carnaval carioca
Quando desembarcou sozinho no cais do porto do Rio de Janeiro em 1951, o maranhense João Clemente Jorge Trinta nem imaginava que mudaria definitivamente a cara do carnaval carioca e se tornaria o mais festejado e criativo carnavalesco de escolas de samba. Então com 17 anos, queria ser bailarino clássico.
Nascido em 23 de novembro de 1933, em São Luís, filho de operários, ele chegou a passar fome até conseguir ingressar no corpo de baile do Teatro Municipal. Como tinha interesse por quase tudo na montagem de um espetáculo, acumulou funções de bailarino, figurinista e cenógrafo.
A entrada para o samba foi em 1963, quando Joãosinho abandonou as sapatilhas, levado para o Salgueiro pelo carnavalesco Arlindo Rodrigues. Foi aí que começou sua paixão pelo carnaval. Dez anos depois, quando seu padrinho deixou a escola, ele assumiu a função de carnavalesco. Em 1974, ganhava seu primeiro título, com o enredo “O rei da França na Ilha da Assombração”. No ano seguinte, tornou-se bicampeão com “As minas do rei Salomão”.
Mas foi na Beija-Flor, a partir de 1976, que Joãosinho Trinta consagrou-se como mago dos desfiles, revolucionando o carnaval com carros alegóricos imensos e fantasias luxuosas. Foram três títulos seguidos — “Sonhar com rei dá leão” (76), “Vovó e o rei da Saturnália na corte egipciana” (77) e “A criação do mundo na tradição nagô” (78).
Na azul-e-branco de Nilópolis, ganhou ainda os carnavais de 80, com o enredo “O sol da meia-noite - uma viagem ao país das maravilhas”, empatado com Imperatriz e Portela, e de 83, com “A grande constelação de estrelas negras”.
Conhecido por pregar o luxo nas escolas, ele assombrou o Sambódromo com o desfile dos mendigos e do lixo. “Ratos e Urubus”, em 1989, é considerado por especialistas um dos maiores desfiles de todos os tempos, talvez o mais revolucionário. Joãosinho protagonizou uma briga com a Igreja Católica ao levar para a Sapucaí o carro alegórico que trazia um Cristo mendigo e teve que ser coberto com plástico preto.
Mas em protesto pela censura, ele colocou uma faixa com os dizeres: “Mesmo proibido, olhai por nós!”. Depois de ter cunhado a máxima “Quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo”, o carnavalesco foi ovacionado por ter feito um desfile que expunha a pobreza e o lixo. Por ironia, Joãosinho e a Beija-Flor perderam o carnaval para a certinha Imperatriz, que cantou os cem anos da República. A despeito do lindo samba, pouca coisa restou do desfile da escola de Ramos. Quanto ao de Joãosinho, ainda será lembrado por muitos e muitos anos.
Em 92, seu último ano na azul-e-branco, o carnavalesco foi afastado da direção do projeto que ajudou a criar, o “ Flor do Amanhã”, que apoiava menores de rua. Foi acusado de corrupção de menores e responsabilizado por abrigar homossexuais e crianças em condições precárias no galpão da entidade. No ano seguinte, magoado, ele afastou-se da folia e viajou para Portugal, onde passou a comandar bailes na casa de espetáculos Cassino de Estoril.
O retorno ao carnaval foi na Viradouro em 94. Mas o primeiro título na escola de Niterói só veio em 97, com o enredo “Trevas! Luz!A explosão do universo!”. Foi a volta por cima do carnavalesco. Um ano antes, ele sofrera um AVC que deixou o braço direito paralisado e dificuldades na fala. Segundo o próprio Joãosinho, a doença mudou seu comportamento e sua visão de mundo. Se antes centralizava o trabalho, passou a distribuir tarefas.
Foi Joãsinho também que pôs um homem voando com um minifoguete na Sapucaí em 2001, quando estava na Grande Rio. Os críticos disseram que aquilo nada tinha a ver com samba. Mas Joãosinho era assim mesmo. Irrequieto, inovador, polêmico.
No carnaval de 2004, uma nova polêmica. O enredo “Vamos vestir a camisinha, meu amor...”, que contava a história dos preservativos, gerou protestos da Igreja Católica. Três carros com esculturas de bonecos fazendo sexo foram encobertos por recomendação do Ministério Público estadual, que considerou as alegorias ofensivas. A escola ficou apenas em 10º lugar e Joãosinho foi demitido dias depois.
Destaques no alto de carros alegóricos
Que alguns críticos gostem ou não, mas Joãosinho deu o visual que hoje predomina no desfile das escolas de samba. Antes de Joãosinho, os destaques desfilavam no chão, juntamente com os outros foliões e a diferença ficava apenas por conta da roupa, mais luxuosa que as outras. Joãosinho pôs os destaques em cima dos carros alegóricos e aumentou a altura dos carros. O desfile ficou verticalizado. Ele começou a fazer isso no Salgueiro, mas foi na Beija-Flor que o estilo se consagrou.
Embora tenha sido copiada por todas as escolas, sem exceção, a nova estética foi criticada pelas chamadas escolas de raízes. Num samba antológico, o Império Serrano alfinetou em “Bumbum paticumbum prugurundum”: Superescolas de samba SA/super alegorias/escondendo gente bamba/que covardia (a crítica tinha endereço certo: a escola de Nilópolis que virou bicho-papão do carnaval).
O luxo de suas fantasias e alegorias não fazia parte do dia a dia de João. Era apenas uma fantasia do menino que deixou o Maranhão para tentar a sorte no Sul Maravilha. Como dizia o refrão do samba de Ratos e Urubus: “Sou na vida um mendigo, na folia eu sou rei”.


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