No mesmo dia em que se completam dois anos desde o terremoto que devastou o Haiti, o Conselho Nacional de Imigração (Cnig) brasileiro concordou em restringir a cem o número mensal de vistos a serem concedidos a haitianos que queiram emigrar ao Brasil.
A medida é parte de uma proposta do Ministério da Justiça para regularizar a situação migratória de haitianos no Brasil, que ganhou a atenção da opinião pública por eles virem, muitas vezes, por rotas ilegais, intermediadas por coiotes (atravessadores), e se concentrarem em cidades amazônicas com poucas condições para abrigá-los.
Em coletiva de imprensa nesta quinta-feira, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou que os haitianos que já se encontram no Brasil – número estimado pelo governo em 4 mil pessoas, dos quais 2.400 estariam em situação irregular – terão sua situação legalizada, recebendo autorização de residência que lhes dará direito a morar e trabalhar aqui.
O documento terá validade de cinco anos e para obtê-lo não será necessário comprovar qualificação ou vínculo com empresa. A limitação de emissão de vistos mensais vai vigorar nos próximos dois anos.
Com a resolução, os haitianos que quiserem vir ao Brasil em busca de um trabalho terão uma cota de cem vistos por mês, a serem concedidos pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe. Quem chegar sem documentos após a resolução corre o risco de ser deportado.
Caso o Conselho Nacional de Imigração aceite a proposta do Ministério da Justiça, haitianos que queiram vir ao Brasil sem um trabalho fixo teriam, a partir de hoje, uma cota de cem vistos por mês, a serem concedidos pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe. Quem já estiver aqui vai ser regularizado; quem chegar sem documentos a partir desta data corre o risco de ser deportado.
"O Brasil criou um canal adicional aos haitianos, além do canal tradicional de vistos (para quem já tem um vínculo empregatício no Brasil)", diz o secretário-executivo e ex-ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, em entrevista à BBC Brasil.
"Nossa preocupação não é tanto com o número de imigrantes, mas com a forma como vêm (por intermediários ilegais, pela floresta). Soubemos de casos de estupro, de roubos, de violência (contra os haitianos). O Brasil não tem essa tradição."
Suzanne Legrady, do grupo católico Missão Paz, do qual faz parte a Casa do Migrante, em São Paulo, diz que a atual discussão em torno da imigração haitiana tem provocado insegurança na comunidade.
Muitos dos que já estão aqui estão com medo de falar com a imprensa; outros, consultados pela BBC Brasil, tinham planos de trazer parentes para cá - planos que talvez tenham de ser revistos.
"Não acho bom limitar (a concessão de vistos). Temos que pensar além dos números (de imigrantes), porque são seres humanos. E migrar não é delito."
Haitianos em SP pensam em voltar a seu país só ‘de visita’
Dois anos após terremoto no Haiti, jovens abrigados na Casa do Migrante sonham com trazer familiares de sua terra natal e construir vida aqui.
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Helion Póvoa Neto, professor da UFRJ e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (NIEM), opina que a cota de vistos e a consequente possibilidade de deportação de haitianos não regularizados pode criar uma saia justa para o Brasil.
"É uma questão politicamente difícil. Vamos deportar pessoas para um país onde fazemos uma intervenção humanitária?", questiona, em referência à liderança brasileira da missão militar da ONU no Haiti.
Em comunicado, a ONG de direitos humanos Conectas diz temer que "a ameaça de deportação feita pelo Ministério da Justiça brasileiro e a restrição no número de vistos concedidos aos haitianos represente ainda mais sofrimento para as milhares de famílias que tentam reconstruir suas vidas no Brasil, fugindo de décadas de conflitos internos, criminalidade, pobreza, instabilidade política e desastres naturais em seu país de origem".
O secretário Luiz Paulo Barreto, afirma, em contrapartida, que "vamos criar um canal formal e privilegiado de imigração. Isso (deportação) acontece em todos os países. Tratamos os haitianos com essa proximidade e seguiremos nossa política de ajudar o país, mas não queremos incentivar a diáspora de sua mão de obra mais qualificada (para o Brasil)."
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