Os homens chilenos passaram a ter coragem para denunciar à polícia a agressão que sofrem das suas mulheres em casa, segundo levantamento nacional realizado pelos Carabineros (a polícia chilena), ligada ao Ministério do Interior e Segurança Pública.
Essas denúncias aumentaram 14,9% no ano passado em comparação com 2010, disse à BBC Brasil a assessoria da Direção de Proteção Policial da Família, que integra a estrutura dos Carabineros. Em 2010, houve 14.451 denúncias de agressões perpetradas por mulheres. Já em 2011, foram registradas 16.607 queixas à polícia.
Segundo dados da polícia chilena, o total de denúncias dos homens agredidos em casa vem subindo pelo menos desde 2006. Naquele ano, foram realizadas 2,1 mil denúncias. Em 2009, esse total foi de quase 7 mil.
"Existe uma mudança de comportamento na sociedade chilena, que agora inclui a decisão dos homens de procurarem a polícia quando agredidos pelas esposas", disseram as autoridades.
No ano passado, ainda segundo os dados oficiais, quase 5 mil mulheres foram detidas por agressões físicas contra seus parceiros.
País com cerca de 17 milhões de habitantes, o Chile foi apontado durante muitos anos como o mais fechado às mudanças sociais e culturais da América do Sul, tendo sido, por exemplo, um dos últimos do mundo a permitir o divórcio.
Mas para o psicólogo Gonzalo Ulloa, vice-delegado do Instituto de Criminologia da Polícia Investigativa do Chile (PDI), os resultados do levantamento confirmam as transformações de comportamento do homem e da sociedade chilena.
'Machismo light'
Ulloa disse que o país está dando sinais de que está passando de uma sociedade machista para uma sociedade com "machismo light".
Segundo ele, os homens estão "superando o tabu, a preocupação com as gozações na rua e criando coragem" para denunciar suas mulheres no caso de uma agressão por parte delas.
"Numa sociedade patriarcal como a chilena, mas que está vivendo profundas mudanças, o homem decidiu denunciar porque sua tolerância chegou ao limite. Houve um esgotamento por parte dele após violência crônica por parte da companheira. Ele já não está mais preocupado com a chacota social", afirmou.
Para o especialista, é a nova atitude do homem que basicamente explica o aumento nas estatísticas - e não significa necessariamente que mais homens estejam apanhando em casa.
Ou seja, na sua avaliação, eles já vinham sendo agredidos, mas agora decidiram registrar na delegacia.
"Numa sociedade patriarcal como a chilena, mas que está vivendo profundas mudanças, o homem decidiu denunciar porque sua tolerância chegou ao limite. Houve um esgotamento por parte dele após violência crônica por parte da companheira. Ele já não está mais preocupado com a burla social"
Gonzalo Ulloa, psicólogo
Segundo o psicólogo, hoje as mulheres saem para trabalhar e às vezes ganham mais do que os maridos. Com a independência financeira, observou Ulloa, elas também ficaram mais rigorosas com eles.
"Simultaneamente, o homem está se vendo mais como humano e entende que tem o mesmo direito que a mulher, o de reclamar (e de fazer a queixa policial). E assim ele está perdendo a vergonha de denunciar (os maus tratos)", afirmou o psicólogo.
Vítimas femininas
Ulloa ressalvou, porém, que a mudança de comportamento dos homens chilenos é detectada principalmente nas classes mais informadas e economicamente mais elevadas.
"Nas camadas de menor nível econômico-social o machismo clássico continua o mesmo", disse. Ao mesmo tempo, nesses setores menos favorecidos, quando elas os agridem é com "violência física".
Já nos classes médias e mais abastadas, elas empregam a violência psicológica e a desvalorização do parceiro, e "em menor medida", também "a violência sexual".
De acordo com o levantamento de Carabineros, apesar da mudança de comportamento dos homens, as mulheres ainda são as principais vítimas e são responsáveis pela maior parte das queixas policiais, denunciando agressões cometidas por homens.
Das mais de 120 mil denúncias policiais realizadas no ano passado à Direção de Proteção Policial da Família, 96 mil foram feitas por mulheres (79,9%), contra 16,6 mil (13,7%) das feitas por homens que se dizem agredidos em casa. Outras, cerca de 5% do total, dizem respeito a denúncias relacionadas a maus-tratos de idosos e crianças.
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