Diante de uma série de
assembleias e ameaças de paralisação, marchas por reajustes e trabalhadores de
setores importantes já de braços cruzados, a proximidade do torneio da Fifa e
exemplos de eventos em outros países levantam a questão: As greves podem parar
o Brasil durante a Copa?
Para especialistas
ouvidos pela BBC Brasil o momento atual é propício ao surgimento de mais
movimentos de paralisação em todo o país, devido a um “coquetel explosivo” que
inclui perdas salariais, cenário econômico desfavorável, o estímulo da ida às
ruas, a Copa do Mundo dentro de dois meses e a realização de eleições
presidenciais em seis meses.
Mas eles acreditam que
acordos com trabalhadores e servidores de segmentos cruciais como transportes e
segurança devem impedir um travamento total do país durante o megaevento –
cenário considerado como um “exagero”.
“O Brasil está num
momento econômico delicado, mas permanecemos num discurso de crescimento e
desenvolvimento, e estamos sediando grandes eventos internacionais. É natural
que os trabalhadores queiram uma parte disso. Estamos em ano eleitoral, há
tensões inflacionárias e houve perdas salariais, então é natural que haja toda
essa movimentação”, acredita Adílson Marques Gennari, professor de Ciências
Econômicas da Unesp.
“A Copa não criou essa
conjuntura econômica. Acho um exagero dizer que haverá um levante total dos
trabalhadores para bloquear a realização da Copa. Agora é claro que é um
combustível, um ingrediente que potencializou tudo isso”, acrescenta.
Nas Olimpíadas de
Londres, em 2012, os motoristas de ônibus da capital britânica entraram em
greve pouco antes da abertura dos Jogos, até conseguirem um bônus pelo trabalho
extra durante o evento. Já na Copa da África do Sul, em 2010, milhares de
trabalhadores dos mais variados setores interromperam suas atividades antes e
durante o torneio, e muitos fizeram críticas pelos baixos salários e más
condições dos contratos temporários.
O país africano não
“parou”, mas houve tumulto e a necessidade de soluções emergenciais em mais de
uma ocasião. No jogo entre Itália e Paraguai, por exemplo, no dia 10 de junho,
na Cidade do Cabo, os “stewards”, vigilantes que deveriam fazer a segurança do
estádio, cruzaram os braços e protestaram, e mais de mil cadetes policiais em
treinamento foram enviados ao local para substituí-los.
No Brasil, o que se vê
nesta reta final para a Copa em diferentes pontos do país é uma onda de greves
e discussões sobre o uso de diferentes estratégias para aumentar a pressão
sobre empresas e o governo. Há setores já paralisados, há os que fazem ameaças
e ainda os que deram início a interrupções intermitentes, sinalizando que uma
falta de acordo incorrerá em paralisação indeterminada após o torneio.
Em Brasília, os
metroviários estão paralisados desde o dia 4; em Salvador, a Polícia Militar
interrompeu o trabalho na última terça-feira; e na semana passada mais de 9 mil
trabalhadores saíram em marcha no centro de São Paulo demandando redução da
jornada de trabalho, melhorias e reajustes.
Oportunismo x demandas
As centrais sindicais
negam “oportunismo” com a Copa e explicam que diversas categorias têm suas
datas-base (período de vencimento das convenções coletivas, quando os aumentos
anuais são negociados) nos próximos meses, o que aumenta a probabilidade de
greves.
Entre elas estão
trabalhadores dos setores de gastronomia, hotelaria e turismo, construção,
vigilantes, além de vários ligados ao transporte (metroviários, rodoviários,
aeroviários, aeronautas, motoristas e cobradores de ônibus, taxistas e
motoboys).
“A greve não é um aproveitamento da situação.
Trata-se de um instrumento para ser usado em última instância. Muitos vêm
negociando há algum tempo”, diz Mauro Ramos, da UGT (União Geral dos
Trabalhadores), que reúne 623 sindicatos e mais de 5 milhões de trabalhadores
em todo o país.
Para Alci Araújo,
presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio e Serviços da
CUT (Central Única dos Trabalhadores), o objetivo não é atingir a Copa.
“As mobilzações podem
ocorrer, sim, se os direitos forem desrespeitados. Não queremos atrapalhar o
desenvolvimento do país, não somos baderneiros, e não estamos movimentando
nenhum processo para prejudicar a Copa. Queremos que nossas demandas sejam
atendidas, e que o legado inclua melhores condições de trabalho para o nosso
setor”, diz.
Pedro Trengrouse,
professor da FGV e consultor da ONU/PNUD para a Copa, diz que “existe realmente
um componente de oportunismo, sim, mas que não é determinante, porque cada
greve e protesto têm suas peculiaridades e intensidades diferentes”.
Elementos-chave para a
Copa, quatro categorias também se posicionaram nos últimos dias. A Polícia
Federal vai interromper o trabalho por 24 horas no dia 23 de abril, e adianta
que pode parar 70% de seu efetivo em todo o território nacional durante o
evento; os aeroviários e aeronautas estudam paralisações nos aeroportos de todo
o país e os vigilantes tiveram reunião com a Fifa, em Brasília, na terça-feira,
para exigir melhores condições e salários maiores.
No Rio, o sindicato dos
vigilantes se antecipou e fez reunião na segunda-feira. Foram anunciadas
“paralisações relâmpago” no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), no
Aeroporto Santos Dumont e no Maracanã entre os dias 16 e 23 deste mês. Além
disso, bancos, shopping centers e postos de saúde também poderão ficar sem
segurança.
O presidente da
Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Jones Borges Leal, explica
que a categoria deve entrar em greve às vésperas da Copa, mas que 30% do
pessoal seguirá trabalhando, sobretudo os agentes de controle de passaporte nos
terminais aéreos internacionais.
“Na verdade os
aeroportos já funcionam hoje com efetivo irrisório. Não é a intenção fazer isso
(interromper totalmente o serviço). Já fomos 15 mil e hoje somos apenas 10 mil
policiais federais em todo o país”, explica, acrescentando que os servidores
estão há sete anos sem aumento salarial.
Já o vice-presidente do
Sindicato Nacional dos Aeroviários, Marcos José Moraes, diz que a perspectiva é
de 99% de chances de greve. “Já reduzimos nossa demanda de 12% de reajuste
salarial para 8%, mas as empresas só querem dar a recuperação do IPC, de 5,6%”,
diz.
Ele adianta que um
aeroporto fica impossibilitado de operar sem os aeroviários, responsáveis pelo
check-in, bagagens e movimentação de aeronaves em solo.
Os aeronautas
(comissários de bordo, comandantes, copilotos e engenheiros de voo) também já
se mobilizam. Na quinta-feira, os funcionários da TAM se reuniram em quatro
cidades (São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro), para estudar
demandas e possibilidade de greve. Só na capital paulista mais de mil
tripulantes aderiram ao movimento.
Fonte: BBC Brasil
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