O ex-ministro,
ex-deputado e economista Delfim Netto criticou o pacote fiscal do governo e a
presidente Dilma Rousseff em entrevista a Eliane Cantanhêde, para o jornal
Estado de S. Paulo. “Ela é simplesmente uma trapalhona”, disse
Delfim Netto.
Para Delfim, o
envio do Orçamento com déficit ao Congresso foi “a maior barbeiragem política e
econômica da história recente do Brasil”, e o pacote é “uma fraude, um truque,
uma decepção, não tem corte nenhum, é uma cobra que mordeu o rabo”.
O economista
também criticou a intenção de recriar a CPMF: “A CPMF é um imposto cumulativo,
regressivo, inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento e quem paga
é o pobre”. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Confira os
principais trechos da entrevista do Estado de S. Paulo:
Como o sr. vê a
situação hoje?
Com muita
preocupação. As pessoas sabem que a presidente é uma mulher com espírito muito
forte, com vontades muito duras, e ela nunca explicou porque ela deu aquela
conversão na estrada de Damasco. Ela deveria ter ido à televisão, já no
primeiro momento, e dizer: “Errei. Achei que o modelo que nós tínhamos ia dar
certo e não deu”. Mas, não. Ela mudou sem avisar e sem explicar nada para
ninguém. Como confiar?
Como define a
conversão na estrada de Damasco?
Ela mudou um
programa econômico extremamente defeituoso, que foi usado para se reeleger. Em
2011, a Dilma fez um ajuste importante, aprovou a previdência do funcionalismo
público, o PIB cresceu praticamente no nível do Lula. Mas o vento que era de
cauda e que ajudou muito o Lula tinha mudado e virado um vento de frente.
Os ventos
internacionais?
Sim. Então, ela
foi confrontada em 2012 com essa mudança e com a expectativa de que a inflação
ia aumentar e o crescimento ia diminuir e ela alterou tudo. Passou para uma
política voluntarista, intervencionista, foi pondo a mão numa coisa, noutra,
noutra, noutra... Aquilo tudo foi minando a confiança do mundo empresarial e,
de 2012 a 2014, o crescimento vai diminuindo, murchando.
E o uso na
reeleição?
A tragédia, na
verdade, foi 2014, porque ela usou um axioma da política, que diz que ‘o
primeiro dever do poder é continuar poder’. No momento em que ela assumiu isso,
ela passou a insistir nos seus equívocos. Aliás, contra o seu ministro da
Fazenda, o Guido Mantega, que tinha preparado a mudança, tanto que as primeiras
medidas anunciadas pelo Joaquim Levy já estavam prontas, tinham sido feitas
pelo Guido.
Então, o sr.
discorda da versão corrente de que a culpa foi do Mantega?
O Guido não tem
culpa nenhuma. E, para falar a verdade, nenhum ministro da Fazenda da Dilma tem
culpa nenhuma, porque o ministro da Fazenda é a Dilma, é ela. E o custo da
eleição é o grande desequilíbrio de 2014.
Qual o papel do
Levy?
Como a
credibilidade do governo é muito baixa, o ajuste que ele fez encontrou muitas
dificuldades, não teve sucesso porque não foi possível dizer que o ajuste era
simplesmente uma ponte.
A presidente
não vive dizendo que é só uma travessia?
Travessia sem
ponte?
E o pacote
fiscal?
O primeiro
equívoco mortal foi encaminhar para o Congresso uma proposta de Orçamento com
déficit. Foi a maior barbeiragem política e econômica da história recente do
Brasil. A interpretação do mercado foi a seguinte: o governo jogou a toalha,
abriu mão de sua responsabilidade, é impotente, então, seja o que Deus quiser,
o Congresso que se vire aí.
A briga interna
do governo não é um complicador?
A briga interna
ocorre em qualquer governo, mas o presidente tem de ter uma coisa muito clara:
ele opta por um e manda o outro embora. Um governo não pode ter dentro de si
essas contradições, senão vira um Frankenstein.
Quem tem de
sair, o Levy, o Nelson Barbosa ou o Aloizio Mercadante?
Quem tem de sair é
problema da Dilma, mas quem assessorou isso do Orçamento com déficit levou o
governo a uma decisão extremamente perigosa e desmoralizadora e isso produziu
um efeito devastador.
De tudo o que o
sr. diz, conclui-se que o ponto central da crise é que Dilma é uma presidente
fraca?
Ela tem uma visão
do Brasil que não coincide com o Brasil.
Por que o sr.
defendia o aumento da Cide, não a recriação da CPMF?
O aumento da Cide
seria infinitamente melhor. CPMF é um imposto cumulativo, regressivo,
inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento e quem paga é o pobre
mesmo. Ele está sendo usado porque o programa do governo é uma fraude, um
truque, uma decepção – não tem corte nenhum, só substituição de uma despesa por
outra e o que parece corte é verba cortada do outro. Dizem que vão usar a verba
do sistema S. Ora, meu Deus do céu! R$ 1 do sistema S produz infinitamente mais
do que R$ 1 na mão do governo. Alguém duvida de que o governo é
ineficiente?
A presidente
Dilma...
Acho que não, nem
ela. Ela sabe disso, só não tira proveito.
E a Cide?
A CPMF é coisa do
século 19, a Cide é do século 21, porque você corta consumo de combustível
fóssil, reduz emissão de CO2 e vai salvar um setor que você destruiu, o
sucroalcooleiro. Tem 80 empresas quebrando por conta dos erros da política
econômica. Na hora que você fizer isso, toda essa indústria renasce.
Quais as
chances de o pacote passar?
Eles vão ter de
negociar com a CUT e com o PT, que é o verdadeiro sindicato do funcionalismo
público. Então, é quase inconcebível e vai ter uma greve geral que vai reduzir
ainda mais a receita. É uma cobra que mordeu o rabo. O aumento de imposto é 55%
do programa; o corte, se você acreditar que há corte, é de 19%; e a
substituição interna representa 26%. Ou seja, para cada real que o governo
finge que vai economizar com salários, ele quer receber R$ 3 com as
transferências e o aumento de imposto. No fundo, o esforço é nulo.
O sr. diz que
os grandes problemas começam em 2014, mas muitos analistas respeitados dizem
que começam antes. Qual a
responsabilidade do governo Lula?
Até 2011, o vento
de cauda era de tal ordem, a entrada da China foi de tal ordem, que dava a
sensação de que você tinha entrado no paraíso e o Lula aproveitou bem para um
crescimento mais inclusivo, mais equânime. Depois, eu estou convencido de que
foi a intervenção extravagante, extraordinária, exagerada no sistema econômico
que gerou tudo isso. Mexeu na eletricidade, mexeu nos portos, foi criando um
estado de confusão que matou o “espírito animal” dos empresários, com uma queda
dramática do nível de investimento e do nível de crescimento.
A diferença é
que o Lula nunca fez questão de ser de esquerda, mas a Dilma, que vem do velho
PDT brizolista, nacionalista e estatizante, tem esse compromisso?
O Lula é um
pragmático, uma inteligência extraordinária. Já a Dilma tem, sim, o velho
problema do engenheiro, o engenheiro Brizola, que por onde passou destruiu
tudo, destruiu de tal jeito o Rio Grande do Sul que ninguém mais salva. Ela tem
uma ideia intervencionista, realmente não acredita no sistema de preços. Veja
essa escolha dela no pré-sal, é inteiramente arbitrária. Foi dar para a
Petrobrás uma tarefa muito acima do que ela é capaz. Nada mais infantil no
Brasil do que a sua esquerda, facilmente manobrável.
Quem é a
esquerda no Brasil hoje?
No Brasil de hoje,
esquerda e direita são sinais de trânsito. O fato é que a Dilma é uma
intervencionista e foi a crença de que ela não mudou, e de que a escolha do
Joaquim foi simplesmente um expediente para superar uma dificuldade, que não
deu credibilidade ao plano de ajuste.
Além de perder
credibilidade junto aos empresários, a presidente também está perdendo apoios
na base social do PT.
Como ela não
explicou que errou e por que iria mudar a política econômica, o 1/3 que votou
nela se sentiu traído de verdade e o 1/3 que votou contra ela disse: ‘Viu? Eu
não disse?”. Sobraram para ela só 8%.
Em quem o sr.
votou?
Na Dilma. Mas acho
que o Aécio era perfeitamente “servível”. Teria as mesmas dificuldades que a
Dilma enfrenta, porque consertar esse negócio que está aí não é uma coisa
simples para ninguém, mas ele entraria com uma outra concepção de mundo, faria
um ajuste com muito menos custo e a recuperação do crescimento teria sido muito
mais rápida.
Se a presidente
está com 8% de popularidade, pior até que o Collor, o impeachment seria uma
solução?
Se houver algum
desvio de conduta materialmente provado, o impeachment é um recurso natural
dentro da Constituição. Então, não há nenhuma quebra de institucionalidade, não
tem nenhum problema. Agora, o Brasil não é nenhuma pastelaria e não é nenhuma
passeata cívica de verde e amarelo nem panelaço que decide se vai ter ou não
impeachment. Não há recall de presidentes. A sociedade votou, que pague os seus
erros para aprender e volte em 2018. Está em segunda época, volte em 2018 para
fazer nova prova.
Então, o sr.
não votaria na Dilma novamente em 2018, se ela pudesse ser candidata?
Não, primeiro
porque ela não pode ser candidata. É preciso dizer que eu acho a Dilma
absolutamente honesta, com absoluta honestidade de propósito, e que ela é
simplesmente uma trapalhona.
Numa
eventualidade, o vice Temer seria adequado para a Presidência como foi o Itamar
Franco?
Acho que sim. Nós
somos muito amigos. O Temer tem qualidades, é uma pessoa extraordinária, um
gentleman e um sujeito ponderado, tem tudo, mas eu refugo essa hipótese
enquanto não houver provas, e vou te dizer: ele também.
Fonte: JB / Estadão
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